Domingo à tarde, numa loja perto de casa no Rio. De repente, gritaria, clientes correndo em uma direção, seguranças correndo na outra, com berros de "fecha a porta!".
Era um assalto lá na rua. Ou alguém pensou que era. Quando chego à vitrine para olhar, está tudo sobre controle, com uma forte presença policial. Nada de mais, nenhum motivo para o ataque de histeria coletiva. Por outro lado, todos os motivos. A racionalidade foge nessas situações, porque todos lembram a experiência de ser assalto pela primeira vez, segunda vez, terceira vez…..
Faz 15 anos que eu perdi a condição de v.a. (virgem de assalto).
Dia 6 de dezembro de 2000. Fui cobrir um grande jogo – primeira partida de uma final – no São Januário, estádio do Vasco da Gama. É um bairro interessante, mas meio decadente.
Muitos o consideram perigoso. Na época, eu não ligava. Estava havia mais de seis anos no país, sem grandes transtornos, sentia que podia ir para qualquer lugar a qualquer horário. Levou poucos segundos para acabar para sempre com tal sentimento. Mas esses segundos passaram em câmera lenta, de um modo que dá para lembrar com precisão o que eu estava pensando em cada fração de tempo.
Havia esperado um tempinho depois do jogo para gravar um relatório para a rádio da BBC e ido em seguida para a estrada principal ali perto, a Avenida Brasil, para pegar o ônibus. Fazia isso com frequência e nunca esperava mais do que um minuto. Naquela noite, porém, estava com azar. Dois ônibus se recusaram a parar. Aí, voltei para a parada e fiquei sentado.
Sabia que não era para fazer isso. Deveria ter ficado em pé atrás da parede de ferro ao lado. As cadeiras eram abertas para trás e, portanto, te colocavam numa posição vulnerável. Mas imaginava que a minha espera seria muito breve.
De repente, senti alguém atrás me puxando. O meu primeiro pensamento foi que se tratava de alguém querendo saber as horas, e chamando a minha atenção de uma maneira mal-educada. Virei, vi, entendi - dois homens de touca ninja. A hora havia chegado. O meu primeiro assalto.
Não sei por que, mas naquele momento achei que ia me safar. Havia outras pessoas perto e, enquanto tentava me liberar, gritei pedindo ajuda. Eles fugiram, e um dos bandidos veio me dar um soco no nariz. Na adrenalina dos eventos, não senti nada.
Aí o primeiro bandido parou de me puxar para trás e me empurrou para frente. Fiquei caído no chão, virei a cabeça e vi uma pistola enorme apontando para meus miolos. "Vai morrer", falou, "vai morrer."
Rapidamente cheguei à conclusão de que não ia morrer. O sujeito estava calmo, a sua mão não estava tremendo. Não estava drogado. Um profissional do ramo, que estava trabalhando com pressa. Ainda havia presença policial no bairro por causa do jogo. Melhor trabalhar rápido.
O seu comparsa, o cara do soco, já estava se afastando. Se entregar o ouro, pensei, consigo me salvar. Primeiro dei o relógio, R$ 10, de camelô. Logo, claro, a carteira, e depois a bolsa. Pequeno, maior, o maior ainda – sequência perfeita. Não entreguei o celular – ainda uma raridade na época –, correndo um risco que até hoje me deixa desconfortável.
Mas ele ficou feliz com seus troféus. "Levante, não olhe para trás, cruze a rua", comandou.
Obedeci, respirei fundo – e desci pela avenida por alguns minutos até cruzar com uns policiais. Relatei o assalto na esperança de uma carona, ou pelo menos dinheiro para o ônibus. Os caras ficaram elétricos: "Estavam armados?" Quando respondi que sim, me colocaram na viatura e a gente deu uma volta à procura, todos prontos para atirar. Sem sucesso (felizmente, eu acho), me largaram na parada de ônibus um deles me deu a tarifa.
Ali, sozinho na madrugada, comecei a sentir os efeitos do choque. Fiquei convencido que ia ser assaltado de novo. Lembro que tentei esconder o celular (um tijolo da época) dentro da minha meia.
Na manhã seguinte, gravei uma reportagem sobre o caso para a rádio da BBC. Falar do assalto me rendeu mais dinheiro do que tinha perdido no evento. Lucrei com a minha própria desgraça com o poder recuperativo do jornalismo.
Mas tem coisas que você não ganha de volta. E uma coisa é ter a consciência de que você está num lugar perigoso. Outra é olhar bem nos olhos de alguém e saber, com a força total da sua existência, que ele é capaz de puxar o gatilho como se fosse o anel de uma lata de cerveja.
Tenho claro em minha mente que ele podia me matar e depois não perder um segundo de sono.
Isso é um pensamento que tento explicar para amigos quando eu volto para Europa. Posso afirmar que hoje em dia eles entendem mais do que fizeram logo depois dos eventos no 6 de dezembro de 2000.
Eles até refletem que pelo menos na minha situação existiu a possibilidade de uma negociação. Pois eles descobriram nos últimos anos que isso nem sempre é possível quando se trata, em vez de um bandido qualquer, de um fanático religioso.
*Tim Vickery é colunista da BBC Brasil e formado em História e Política pela Universidade de Warwick
Fonte: BBC Brasil
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